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12.10.08

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Fim da Tarde, saio de casa com o capuz enfiado - chuva suave, dos começos do outono - cabeça bem enterrada nos ombros, trajado de cores pobres, pretos e cinzentos, azuis murchos e baços, numa camuflagem emocional enquadrada no ambiente...
O sol precipita-se no horizonte, num tom laranja sanguíneo que mancha as nuvens. Não o vejo directamente, afoga-se entre prédios e edifícios, pequenos o suficiente para o eclipsarem da minha perspectiva humana minimalista. Despedimo-nos por isso, ás cegas, sinto que estamos em sintonia, ambos queremos a noite, pois que estamos glaciais...
Caminho sem destino, vasculho as ruas, avenidas, becos, praças, parques, estradas e trilhos monocromáticos desta cidade sem pulsação, com os olhos atentos, introspectivo.

Les gestes sont des regrets
Qu'un temps mort accentue;
L'énergie se perd, les envies se trainent,
Chaque phase de malaise altère la raison.

Este ninho onde os Humanos se amontoam, parece mais um berço da Morte! Os sons caóticos das horas de ponta também dormem de noite. Para receber a lua, a sinfonia citadina compõe-se de ecos distantes, frios, geométricos, perfeitamente polidos e afiados, como lâminas, de cadência suicida, que todos juntos formam uma estranha forma de Silêncio...
O silêncio de ser estranho e perdido entre a multidão, silêncio que só nós ouvimos, silêncio da solidão, silêncio esse que é, na verdade um constante murmúrio onde a energia se perde e os sonhos sucumbem.
Arrependida e resignada é a gente que passa, arrastando fadiga e frustração para casa. Vejo-os olhando as linhas de comboio. Reflectido nos seus olhos negros, o brilho lunar dos carris; é assim que a vêem, pois este é um vale, entre montanhas de aço e metal, escuras como o céu, e a Lua é um mito esquecido entre neons e lâmpadas...

Humeurs instables inavouées,
Faiblesse des sens et frustration
Etouffant la conscience.
Je m'écoeure.

O jogo de luzes dissolve-me os pensamentos, caí um nevoeiro na minha mente!
Atento no ar que respiro, que não é ar, é veneno!
Ventos moribundos que morrem nas esquinas, numa agonia surda fantasmagórica, espalham-no por este imenso cemitério de betão, campo de concentração dos desolados, um mero vómito de design e arquitectura antinatural cheio de lixo e pó, pó! Onde encontrar pó e cotão senão aqui, por entre estas urnas erguidas matematicamente, numa concepção bizarra?
Esse veneno que é o ar, causa-me náuseas! Pior! Causa surdez, mudez, cegueira, desumanização, numa palavra, apatia!
Pois que vejo os carros e as luzes e fico bêbedo e cego, perco-me do céu, descontextualizo-me das pessoas!

Salissure intérieure;
Les corps sont des réfuges aux caresses
Rendus inodores dès qu'ils gerbent leur semence.
Un vide permanent endormira les restes.

Cada um é uma fronteira, um muro de si mesmo que desliza por este mar urbano, chocando com outros muros, autênticas ilhas ocas sem querer saber! O mundo não existe, é como se todos os outros fossem apenas uma criação de cada um de nós.
Cruzo-me com estes autómatos e vejo nas suas caras a ausência de algo para expressar ou sentir. A indiferença roubou-lhes a alma e agora são meros cadáveres sem trela e sem ancora, perdidos de si neste fim do mundo convexo onde estes dejectos da racionalidade se dirigem para os seus respectivos colossos de cimento, empoleirados uns em cima dos outros, trancados nas suas gaiolas, procurando no zero, as sementes da futilidade com que darão relevo ao dia seguinte. Perfeita apostasia do ser!
Vê-los causa-me ainda mais Náuseas que o ar industrial!
Vê-los causa-me uma dor! Uma raiva animal, uma selvagem sensação de poder! Não quero ser assim! Corro por entre a multidão, num desvairo furioso, esbracejo e gesticulo violentamente contra estas correntes e arames e laços que me prendem e me trancam dentro de mim mesmo, atiro-me à apatia que me rodeia e desmembro-a em pedaços! Que se dane, deitarei esta maldita cidade a baixo se for preciso! Que morram todos, morrerão sozinhos!
Eu prefiro gritar, gritar que nem um louco! Grito a imperialização do meu ser! Grito a posse completa do Eu!
E se morrer, morrerei comigo mesmo!


JE M' ÉCOEURE!!!


Amesoeurs - Faiblesse des Sens
letra por Audrey S.