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28.9.08

Há no olhar do moribundo a cor do Defunto?

 

É tão mórbida esta melancolia instrumental!

A cadência arrastada, fria, desumana das guitarras deixa-me desamparado, à deriva numa sensação de vazio desesperante.
O tom acústico de toda a música torna tudo tão visceral e íntimo, a bateria orquestra a passada fúnebre e um ambiente doentio paira no ar forçando-nos a baixar a cabeça, é-nos roubado brilho dos olhos e a esperança do coração. As lágrimas secam, o sorriso morre, e a morte dentro de nós, vive!

É de certa forma, o espelho e o hino ao moribundo, o lençol que cobre a morte deixando uma nesga por onde se adivinha que o futuro foi esquecido e afogado como um copo de álcool entre muitos outros numa noite de dor e lágrimas entre muitas outras nesta frágil e triste vida, singular e vazia.

Na alma do ouvinte desta sinistra decadência monorrítmica, deste ultimato à existência, silenciador do apelo da vida, vai-se espalhando uma patologia macabra, enchendo cada canto como uma corrente de água nauseabunda, derrubando cada horizonte como vagas negras de um Oceano fétido.
A apatia é dona do coração badalando em nós sentimentos de futilidade e desprezo pela existência!

As notas vacilam, na epilepsia do som, tentando romper com a agonia que flutua à nossa volta, sedando-nos os sentidos, como quem tenta romper com o destino e virar as costas ao epílogo.

O ar à nossa volta está a uma distância oceânica dos pulmões, impossível de percorrer porque a traqueia enche-se com nada, a apatia silencia a fala e a morte induz o coma emocional, a gravidade inverte-se, o tempo aniquila-se e o espaço colapsa.

Já não há o que expressar, o que sentir, já não há o que ser… Há no olhar do moribundo a cor do defunto, um sorriso conformado e a certeza de que o fim é como esta canção, triste e vazio, mas apenas um começo. Mais um.

Hypothermia - Rakbladsvalsen IV