Este é um caso pessoal.
Esta pequena faixa, que passa facilmente despercebida (assim, descontextualizada!) e que já ocupou muitos 1 minutos e 42 segundos da minha vida é um caso pessoal.
Este autêntico altar que 'Tagguei' na last.fm como musics i could listen for a whole aeon (mas queria era dizer algo como isto: musics that should make the moment last an aeon.) é um caso pessoal muito sério...
Porque por vezes a Vida presenteia-nos com momentos que deveriam pender para sempre por cima de nós, travando o tempo e o curso de tudo, momentos que deveriam transformar-se na própria vida...
…Mas já lá vamos, primeiro que tudo o porquê.
Assim, sem paisagem que a rodeie, só de ouvido, não passa de uma curta música gira, com umas melodias e ritmos bem combinados e trabalhados, perfeitamente fundidos no tom algo shoegaze das guitarras. No máximo, seríamos capazes de perceber a genialidade do compositor desta peça e ouvi-la em loop (ela é aquilo a que eu chamo 'Música capicua', faz um loop natural) enquanto estamos a estudar ou ler etc…
Mas não passaria disso, não seria uma daquelas músicas que conotaríamos de 'especiais', algo que frequentemente fazemos às canções em que identificamos na letra, um trecho que descreve 'perfeitamente' um momento da nossa vida tal como nós o sentimos. Mas… e as músicas instrumentais? Descrevem alguma coisa?!?
A resposta é óbvia. São até, muito mais ricas nesse aspecto que qualquer canção, são é mais subversivas e menos perspicazes...
E há basicamente, duas formas de retirar interpretações de toda e qualquer parte instrumental que chegue aos nossos ouvidos, sendo que a diferença entre elas é se a interpretação parte do contexto que a música descreve, ou da música em si. A primeira forma verifica-se quando o ouvinte sabe qual é o contexto que a música pretende descrever, isto ou porque é ele o próprio compositor da música, ou porque de alguma forma informou-se sobre o porquê da criação daquela música. Ou seja, nesta forma de interpretação, o contexto é a primeira ideia a surgir, sendo a música, um produto desse contexto.
A segunda forma é inata a todos nós: trata-se de sentir. Quando ouvimos qualquer coisa, deduzimos a partir desse som, um contexto que descreve o que sentimos ao ouvi-lo.
A diferença é que nas canções, ambas as formas de interpretação estão presentes, enquanto que em peças instrumentais, supostamente, o ouvinte só consegue retirar interpretações de acordo com a segunda forma, ou seja, o sentir.
Mas nesta música em particular, eu conheço o contexto, a situação, o momento que ela descreve, o momento que ditou a sua criação. E considero que ela é a descrição absolutamente perfeita desse momento.
A razão por que conheço o contexto, é porque esta música faz parte da banda sonora de um jogo, e ao passarmos pelo momento do jogo em que esta música aparece (apesar desse momento só se revestir de todo o seu simbolismo devido ao que acontece depois) apercebemo-nos imediatamente do que ela nos transmite, tal é a perfeição com que o faz!
Não vou dar-vos em concreto o exemplo do jogo para descrever o simbolismo da música (os jogadores atentos que jogaram tal obra-prima, certamente saberão qual é esse simbolismo de que falo).
Mas posso descrever a coisa da seguinte maneira:
Voltam do trabalho, terminou o turno da tarde, o que dita o final de mais um dia banal, monótono.
Dirigem-se então para casa, e ao passarem por uma rua habitual e familiar, começam a notar que os cães vos ladram de modo mais agressivo do que é habitual, o vento insiste em travar-vos a marcha, lançando contra vós todas as folhas e plásticos e poeira mortos na estrada. As árvores agitam-se de maneira ameaçadora ao sabor do vento que assobia fantasmagoricamente, as luzes estão demasiado brilhantes…
Por alguma razão, sentem que isto são mais do que coincidências, há uma premonição, há a premonição de que esta noite, será a pior da vossa vida…
Chegam a casa, perturbados.
Dirigem-se à janela, o sol está a pôr-se, fortemente alaranjado. Ficam a assistir, enquanto ele cai, em tons cada vez mais vermelhos e é então que esta música entra em cena. Ela chama-se End of a Small Sanctuary e, efectivamente, a partir desse momento, o vosso santuário ruiu.
Tudo o que julgam ser seguro e inofensivo o suficiente para permitirem que coexista à vossa volta, simplesmente deixa de o ser, e a noite chega, inevitável, para trazer até vós o Inferno que ninguém acreditava ser possível existir…