2.3.09

Pica-Paus pela manhã




As coisas insuportáveis não são aquelas que são difíceis de suportar, são aquelas que não são suportáveis.
As coisas impossíveis não são aquelas que custam a realizar, são aquelas que não podem ser realizadas.
As coisas irresistíveis não são aquelas a que custa resistir, mas sim aquelas em que não é possível faze-lo.
Parece óbvio. É-o, no entanto, raras vezes!
Pois que todos julgam já ter feito o impossível, suportado o insuportável, resistido ao irresistível e por ai fora, visto que todos já se aguentaram acordados durante 72 horas, suportaram uma espera de 12 horas numa qualquer fila de burocracias e não menos que todos já por uma vez, no mínimo, resistiram ao impulso do furto sem pistas que traria a todos vós enorme proveito, não fosse o vosso bom coração ter-vos pregado a partida da compaixão...
Mas isso tolos, é coisa possível, suportável, resistível, evitável, ponderável, contornável. Insuportável tolos, é o apelo do sono, a crescer, a engordar sobre as pálpebras, a declarar-se vencedor face ao vosso condenado esforço para lhe resistir uma vez mais, e impossível é barrar, com que barragem for, a vontade da bexiga já esticada, grávida de necessidade, a crer-se espraiar em urina e a consegui-lo inevitavelmente (quer se esteja no local apropriado, quer não!) e não esquecer que irresistível é o instinto, seja ele o de começar a falar, de começar a caminhar em metade de quatro apoios (que mesmo quem não tem boca há de querer falar, e quem nascer sem membros, no berço não há de querer ficar) e por ai adiante.

Mas vós, miseráveis, ireis continuar a troçar da força destas coisas que têm de ser e selo-ão, e por isso ireis sofrer com o que vos trago hoje...


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...Que é enfim, a essência destas coisas que têm de ser e é certo que o serão, o próprio éter da inevitabilidade!

Masami Akita é guru absoluto neste assunto de sentir o intolerável em toda a sua nudez e violência que nós fazemos o possível por negar e sequer pensar sobre. E não só é guru de tal arte como, diria eu, é mestre dotado para nos mostrar a nós, ceguinhos que não queremos acreditar, através do som claro está, estas coisas do insuportável, do impossível e porventura do irresistível, tão nuas e verdadeiras como ele próprio as sente.

E esta que ressoa por aqui trata de pica-paus. Sim, aquelas aves das florestas que desferem cabeçadas nos troncos das arvores com todo o vigor que possuem (algumas espécies até reduziram o numero de dedos das patas, por selecção natural, para maximizarem o poder do estoiro) de modo a arrancar a casca exterior dos mesmos com o seu bico especializado e poderem assim obter uma refeição de larvas de escaravelho e possivelmente outra bicharada.
Para quem não sabe, tais cabeçadas na madeira produzem um som muito característico (http://www.youtube.com/watch?v=37_YCJtqMm0&feature=related ; http://www.youtube.com/watch?v=oeldv48RGv8) que facilmente permite identificar o seu compositor como sendo um pica-pau.
Ora agora é só imaginar o que será viver perto de uma floresta carregada de árvores carregadas de pica-paus que carregam a nossa cabeça logo de manhã com toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-toc-Toc-TOC-TOC-TOC!

Ora aí têm uma coisa insuportável que vão querer negar. Ora aí têm uma coisa inevitável da qual vão querer fugir. Mas ora que aqui vos deixo com essa mesma coisa em toda a sua essência e nudez que vocês não queriam olhar e encarar!

E os vossos ouvidos, esses, são quem vai ter de perder face ao verdadeiro intolerável, ao verdadeiro inevitável!


MERZBOW

"toc-toc-toc"