1.4.09

Miami Morning Coming Down...



O abrir da noite,
o apaziguar das emoções,
o ambientar do corpo e da mente ao espaço e ao som,
esteve a cargo do senhor Jorge Coelho.
Sem apresentações, não anunciadas,
as notas

começaram a espraiar no ambiente da sala,
corridas,
formando padrões,
timidamente,
e as cabeças começaram a focar-se no palco
...


Era a inauguração oficial daquilo que foi e será, para sempre, um dos melhores períodos da minha existência neste mundo.

Os padrões transmutam-se, lentamente, indecisos, da guitarra de
Jorge Coelho, acústica, eles já não tão acústicos assim, saídos dela, inchados de volume, distorcidos, procuram conjugar-se uns com os outros no meio da improvisação solta que os dedos desencantam não se sabe de onde. Melodias suaves, suaves no toque, no encantamento do ouvido, suaves na duração, substituindo-se umas às outras, no nervosismo de crescendos, perdem-se, matam-se, quando o som regressa à calma de notas abafadas, à vez, procurando novo sentido para o improviso, mas quando se matam...
Matam tudo.
Deixa de haver nexo, o som é um deserto, mas sem a fluidez das areias, um novo sentido é encontrado para o improviso prosseguir, mas pouco sentido faz, e as notas enfurecem-se, assim como se enfurecem as investidas de Jorge Coelho contra a guitarra,
desabando a palheta sobre as cordas...
estoirando elas de som...
sobressaltando-se a sala...

O clímax é forçado,
o barulho é zangado,
o aspecto embaraçoso,

e tudo acaba,
termina entre palmas.. 

merecidas sim,
mas no meu coração
pouco mais ficou para além da amargura...
Não gostei de Jorge Coelho.


--

Mas os Earth vêm ai.
Adrienne Davies,
Don McGreevy,
Dylan Carlson,
Steve Moore.
Mal tinha visto algum deles antes...
nem tão pouco li algo sobre as vidas destas 4 pessoas...
A única coisa que me puxou da margem sul até ao Porto
no dia 31 de Março de 2009,
foi a sonoridade de Earth,
que julgava amar,
que cegamente compreendia

e que, quando de lá vim, 
no principio do
primeiro de Abril, ironicamente,
trouxe
e para sempre trarei, a mais irrefutável das certezas.
O concerto a que assisti e que de seguida tentarei descrever é a maior razão que me podiam ter dado até hoje para que eu já mais duvide da verdade simbólica das palavras que aqui deixo cravadas:

“Amo música, isto é ar para os meus pulmões.”

No instante
em que as baquetas se debruçaram, suaves, sobre os pratos,
o pé... pressionou a pedaleira,
o baixo... vibrou,
a tecla... se metamorfoseou em som
e a guitarra... bocejou o primeiro tom,
tudo em simultâneo,
a primeira assimilação de Earth ao vivo.
O suficiente para que se interioriza-se em mim a razão de ser dos concertos, a pureza de ter a banda a tocar para nós, ali à nossa frente, o diálogo sem fronteiras entre músico, música e ouvinte, a transmissão total de intenções e impressões entre notas e ouvidos, a relação absoluta da música com o ser humano.
Os CDs são uma fraude.

A música empacotada em qualquer objecto legível por leitores de som é algo desprezível. Horroroso.
Bastou aquele instante 
para perceber que todas as audições que fiz dos
seus álbuns
não passaram de mentiras,
deliciosas mentiras…

As vibrações que não senti ao ouvir o álbum em casa...
O peso do dialogo melódico, progressivamente desenvolvido na guitarra do Dylon...

tudo ali, a meus olhos,
a arrepiar-me as carnes.

A majestosa bateria, à semelhança de Apollo, sustentando todo aquele monólito sonoro e manejada com uma tal ritualidade e encanto pela Adrienne, que era olhar e cair em hipnose, se não se estava já convalescente, com o vagar característico em que se formavam as

paisagens sonoras
de peso e densidade colossais...
Apesar da falta de distorção, pelo contrário,
Earth estão mais esmagadores!







Ah!
Mas eu e aquela guitarra, com os botões do avesso, lindíssima, que conversas tivemos nós!
Os riffs dela são claramente os protagonistas destas composições mais recentes,
São de tal maneira melódicos, é transcendente ouvi-la a cantar. Todas as musicas aliás, senti-o claramente, entrava-me por mim a dentro, possuem uma extraordinária e bela essência melódica e harmoniosa, convergente emocionalmente, germinando em mim um bem-estar sereno e agradável como que uma brisa marítima atenuando o sol pujante. Constantemente o baixo abraçava-nos com as suas trepidações, e parecia-me estar a assistir ao espectáculo emergido num qualquer líquido caloroso e ofegante. Por vezes o teclado rodeava as notas da guitarra, desdobrando-se em escalas ascendentes e descendentes, um vai e vem que encerrava sempre na nota perfeita, vago, desviando ligeiramente o tom da música, virando uma página, refrescando o público...
Havia felicidade neste concerto,
pairava nas músicas,

era só esticar a mão,
deixar-se desmanchar no apelo do som…

E de tal forma esta essência foi mantida ao longo das músicas, que se pode considerar que o concerto foi apenas uma, não várias.

Mas no fundo, quem lá esteve sabe que foi mais do que isso, foi mais do que duas canções totalmente novas, mais do que um solo festivo de trombone, mais do que um Dylan very good looking, mais do que uma baqueta perdida a meio da musica e um riso atrapalhado da Adrienne, mais do que as piadas e o copo de cerveja, o publico sabe que foi mais do que tudo, e eu sei que o sabe porque no final, 
foi de pé que
Earth foram aplaudidos.


palavras escritas em 2 de Abril de 2009